Tuesday, December 09, 2008

no pensamento, no peito.

uma cadeira em meio toda aquela areia.

Se via apenas uma mulher extremamente pálida,magra e morena, com olhos caídos e borrados. Seu cabelo crespo e volumoso era o único elemento de seu corpo que se movia, ainda assim, involuntariamente.
Um rosto sofrido, amargurado, cheio de marcas atravessadas.
Estava de frente a uma cadeira de madeira, como se fosse sentar a qualquer momento.
Inerte, frígida, sólida.
A cadeira e a mulher pareciam uma pedra de mármore em meio todo aquele deserto, que dançava e cortava as dunas que se moviam com o vento.

A mulher vestia branco;um vestido bordado em cetim, cravado com pérolas e rendas nas bordas.
Vestia luvas de renda branca, largas demais para seus dedos finos e enrrugados.
Na verdade, todo o vestido parecia largo demais para a mulher que tremia e sofejava, uma canção triste que só a cadeira, o vento e a areia poderiam escutar.

A mulher cantava no seu lugar, vendo o mar seco tomar conta dos seus pés até chegar aos tornozelos.
Seu vestido dançava com o resto do cénario, repousava na cadeira em tempos, e depois voltava a dançar...

A voz que ecoava baixinho no deserto não era tão alta assim, na verdade, se não fossem os ventos, talvez ela nem existisse.
A mulher escutava milhares de vozes; vozes pequenas, vozes de alarde, vozes de anúncio, vozes que não calavam, outras que gritavam, outras mais que cantavam mais alto que o vento.
Sua agonia transpareceu no rosto depois que caíram as lágrimas,molhou a seda e deixou o corpo da mulher mais fraco, a ponto de sentar...

Não o fez.
Depois de sentir a areia cobrir seus joelhos, a pequena senhora dobrou as mãos e pegou uma fita pressa a cintura, desamarrou e passou em volta dos cabelos, como tinha feito uma cohecida sua, que fora tragada pelo mar em tempos como aquele...

Prendeu a fita nos cabelos pretos,completamente sujos de infitos grãos, se tomou nos braços e sentiu o próprio abraço mais uma vez.
Pousou o pensamento no coração, nas cantigas de roda que a faziam girar quando estava triste, no momento que colocara o vestido branco pra valsar, na canção de ninar sem letra que ainda solvejava, mesmo escorrendo em lágrimas.
Padeceu no cansaço e na agonia, e com a areia já pelas coxas, voltou as mãos pelo corpo até se sentir plena, consciente daquilo que estava pra fazer...

Veio a redenção:
a moça de pele alva pouco se importou em sujar o vestido, já completamente imerso no deserto sem fim.
Rasgou-lhe o próprio peito, deixou entrar o vento, a canção e a areia. Saiu muito sangue, até mais do que a pobre moça esperava.
Saíram gritos desesperados, sofridos e extremamente doloridos, a cadeira tremeu em sua base.
Virou a face pra não deixar a areia lhe cortar com a ventania, depois, chorou até a sua alma pedir pra parar.

De peito aberto, sangrando, ela levou as mãos as coração, e velando a sua canção de ninar, tirou todas mas mazelas, as lembranças profundas, os amores dolidos, as chagas e as lamentações.
Guardou nas mãos tudo o que poderia ser retirado, jogou no deserto e enterrou até o limte que alcançavam seus braços. Puxou de volta os membros enterrados, seus pés estavam dormentes.
A mulher de fita na cabeça finalmente sentou na sua cadeira, costurou o peito com as sobras de um bordado branco, ficou lá até que a areia a cobrisse por completo, junto com sua cadeira.
A madeira já rangia com o uivo do deserto.

A moça que de tanto chorar perdeu o amor no peito, pensou que iria desenterrar tudo aquilo antes de morrer coberta, mas apenas antes de morrer, para não se dar o desprazer de reviver seus pesadelos.

Ainda sentada, ela continuava a cantar
A cadeira, o vento e a areia foram os últimos que a escutaram sua canção


2 comentários:

Karla Brito said...

Tinha que ser feito pensando em mim... eu sabia.

tem peito no meio...

Bárbara Cecília said...

Meu deus! Voce escreve com uma leveza.. adorei.