Tuesday, October 07, 2008

coisas mortas

Aconselho um dia, a quem quiser ser bem aventurado e enterrar uma porção de pecados de uma vez por todas, a ajeitar o seu quarto.
Desde ontem fui arrumando e abrindo gavetas, portas, diários, pastas e outros compartimentos. É incrível como o valor das coisas que encontramos, e que um dia julgamos ser eternas e dignas de significado, podem se tornar inevitavelmente...perecíveis.
Não lhes digo isso em tom de amargura, até mesmo porque sou o maior saudosista que vocês um dia irão conhecer. Lhes dou esse conselho desumano pelo simples fato de que não estou curado das minhas neuroses humanas, e precisava encontrar um ritual que me impedisse de acordar meus anseios animalescos.

Documentos, livros e recados, fotos e retratos, ficheiros, laços, caixas decoradas, jornais recortados, brinquedos quebrados,cartas, declarações, artigos, vidros de perfumes importados, de canetas a lápis de cor, tudo, passível de recordação.
Recordações essas cheias de um peso emocional (as vezes gratuito) e que talvez nem encontrem espaço na memória... Mas se foram guardados, tiveram sim, significância aparente alguns anos atrás...

Acredito que se for feito de forma lenta, como eu o fiz, você vai demorar umas boas horas para fugir do desespero que é ter de lembrar toda a sua infância conturbada,e se essa tiver sido bem aproveitada, gaste tempo então para sorrir com as boas imagens que uma simples almofada de elefantes pode lhe proporcionar...

Depois de separar o que eu julguei ter guardado precocimente junto com os sentimentos rasos, me dediquei a tudo que me deram de bom grado, e aos presentes bem pequenos, que estavam todos numa gaveta maior...

Meu erro foi a falta de cuidado. Quando chegar ao ponto dos presentes, não tente fugir, tirpudiar ou desmerecer o que a falta de idade um dia escreveu de forma tão espôntanea; releia todas as cartas (especialmente as de amor, mesmo que as cause uma dor fininha no peito)e tente olhar quem está nas fotos antigas, e se possível, ligue pras pessoas que apareceram nelas (não se engane, a saudade dessas pessoas amigas vai ser a maior que você vai sentir durante todo o procedimento)...

Eu me dei o direito de preparar um leite para me acalmar, e me acompanhar numa tarefa não muito mais importante da limpeza: jogar as roupas velhas fora. Não só as roupas velhas, mas tudo que restou de uma vida guardada, lacrada nas gavetas, escritas nos diários e pintadas nas paredes. Jogue fora não o que lhe traz tristeza, mas tudo o que não lhe traz nada...

Eu não choraria se fosse você quando terminar de limpar o seu quarto, acredite, meus olhos ainda estão roxos e cheios olheiras. Chore só o necessário, o que a saudade lhe trouxe de volta,


Jogue fora apenas as coisas mortas, porque existem muitas outras, dentro da gente e do nosso quarto, que viverão para sempre.

1 comentários:

Karla Brito said...

hoje eu fui pruma reuniao esperitual, e no final cada um recebeu um bencao, que nada mais eh que uma frase, um pequeno texto, e o meu pai pegou dois, por engano... e um deles dizia:
"quando arrumamos nossas gavetas e armarios temos a agradavel sensacao de que colocamos as coisas em ordem. guardamos o que eh util e jogamos no lixo o que eh inutil. Da mesma forma, se queremos experimentar leveza, precisamos fazer esse trabalho em nossas mentes. Reservar um horario e local apropriados para alinhar os pensamentos. Abandonar aqueles que soh ocupam espaco, renunciar aqueles que estao causando peso, e resgatar aqueles que me dao forca e confianca"

eu lembrei muito de vc, assim como vc disse que lembrou de mim quando escreveu esse texto...

essa foi a bencao que o meu pai pegou... mas a bencao que eu peguei, foi completamente direcionado a vc. Mas essa eu nao vou dizer. Soh digo uma coisa, de veras, Te amo.