Thursday, October 04, 2007

A Bruxa de Capricórnio





Cada simples e qualquer movimento feito com as mãos, ríspidos e alegóricos, ajudavam a concretizar o sumário conjuramento, encatamento da feiticeira.


Ajoelhada sobre uma marquise palafitada de uma edificação urbana qualquer, as vestes negras, sujas e encardidas de poeira, respondiam pela camuflagem quase impecável daquele ritual. A presença da Bruxa era uma imagem insólita naquela chuvosa noite de um verão atrasado.

Ainda deitada de joelhos, auxilida pelo conforto da seda de seu vestido que esquentava suas pernas finas e fracas, contorcia freneticamente seus dedos pintados e ornamentados com desenhos e riscos macabros, como se tatuados a fogo fossem. Runas que denunciavam a má origem de suas práticas. O sangue gotejava da palma das mãos da jovem transtornada. Sangue que era de uma cabra virgem, que agora jazia semi-morta sobre o piso de pedra da marquise abandonada, ao lado da Bruxa. Sacrifício era nescessário para a completude do ritual mágico.

A chama de uma única vela de cera de porco enxortava qualquer odor fétido da cabra, que ainda agonizava de olhos abertos.

Com os cabelos loiros, curtos e oleosos pregados na testa suada, a bruxa seguiu com seu sacrilégio. Entoando um mantra quase que musicado, riscou com um giz velho duas estrelas verdes e cheias dentro de um círculo previamnte desenhado no chão de pedra. Gravou dois nomes, um para cada estrela e em seguida, recitou versos rimados em português: algo feio, desonesto, como separar dois corações apaixonados...

Agora estava chorando. De rosto doído e ofegante, queimou um retrato colorido na chama da vela que ainda ardia viva, exalando um cheiro insuportável de papel queimado. O peito doía. Cada centímetro de seu corpo parecia padecer de uma dor calada, como se fosse cravada por mil agulhas a cada respiração involuntária.

A chama se apagou. E como se tivesse acordado de um transe compulsivo, a Bruxa se levantou apática e frígida, certificando se seu encatamento tinha sido completado. Com as pernas dormentes e os joelhos em carne viva, procurou abstrair toda a dor (física e emocional). Procurou calor, reuniu forças para prender o cabelo na altura da nuca, com uma fita vermelha dada pela avó falecida. Sentindo a restituição de todos os seus sentidos, cravou o punhal de cobre na cabra para aliviar seu sofrimento.

Deixou o animal morto e seus desenhos brutos de lado e guardando a vela usada, pulou da marquise e pousou milagrosamente de pé no chão da rua deserta, sem arranhões ou qualquer esforço maior.


Após sete dias datados, a Bruxa de Capricórnio foi encontrada estirada sob um colchão de folhas verdes, entre as árvores do Parque Municipal, morta. Não foi atribuida causa a sua morte. Eles encontraram uma estrela verde, tatuada como queimadura na nuca da moça.



É que nem morte ou mágica praticada qualquer, supera a dor de um amor verdejante, de uma estrela casada.



Coração apaixonado
Laçado por fita vermelha
Atado com firmeza de abraço bem dado
Unificado, ratificado
Desde um ontem até um pra sempre
Incondicional seja
O amor de uma estrela verdejante



1 comentários:

Carol Freitas said...

Cada centímetro de seu corpo parecia padecer de uma dor calada, como se fosse cravada por mil agulhas a cada respiração involuntária.


aaaaaaaaaaaaaaaain, peeedroooo
;~
páaaara